Resenhas premiadas 2021: Ensino Médio

 

ESTUDANTE

PREMIAÇÃO

CATEGORIA

OBRA

JOSÉ MAURÍCIO CAVALCANTI BAZANTE

1º LUGAR

TEXTO ESCRITO – ENSINO MÉDIO

GOTA D’ÁGUA

 

Creio ter sido acometido de um triste preconceito para com o Texto Dramático como gênero literário. Preconceito esse que durante todo o tempo que antecedera o ano de 2020, impediu-me de entrar em contato com obras, que hoje julgo belas, de importantes dramaturgos brasileiros. Feliz, todavia fico, de ter sido obrigado a deixar de lado minha tolice com o testemunho marcante das palavras buarquenas. Gota D’Água, dos autores Chico Buarque e Paulo Pontes, foi publicado em 1975, como o texto por trás da peça de mesmo nome, e a mim apresentado como indicação literária pela professora de Língua Portuguesa, como parte do projeto Biblioteca da Turma, no início do ano passado.

Baseado na tragédia grega de Eurípedes, a versão à brasileira de Medéia apresenta-se para mim não como uma mera releitura, mas sim uma ampliação do texto original, sobre o qual o brasileiro se baseia para criar uma contemporânea obra retratando conflitos, em Gota, não só éticos, mas sociais e de classe. Em pouco mais de 170 páginas, somos apresentados a uma série de personagens da classe baixa brasileira. Joana, mulher e mãe solteira de duas crianças, foi traída e abandonada pelo pai de seus filhos, um sambista que alcança o sucesso ao compor e lançar a música que dá nome ao livro e que se torna pretendente de Alma, filha de Creonte, um burguês do ramo imobiliário que ganha a vida endividando pobres.

            É a partir de uma tradução contextualizada da trama originalmente ambientada na Grécia Antiga para um Brasil contemporâneo, periférico e mazelado, que Gota D’Água – Uma Tragédia Brasileira, utiliza-se do enredo em primeiro plano, uma história aparentemente sobre traição, ciúmes e vingança; para passar-nos naturalmente uma intensa crítica ao neoliberalismo e ao sistema capitalista, ambos criadores e propagadores de desigualdades e miséria. Por tal façanha que, engrandecendo-se, a obra de Chico e Pontes ganha destaque em meio à literatura brasileira e torna-se, para mim, maior que a original Medéia.

Por meio de extensos e impactantes monólogos e diálogos, uma ambientação que se dá por meio de descrições presentes ao longo de todo o livro, relações e subtramas, poucas, mas muito bem construídas; que Chico Buarque, grande nome da Música Popular Brasileira, e Paulo Pontes, dramaturgo que padeceu ainda na ditadura militar, constroem um retrato, infelizmente, atual e cirúrgico do País. Rebaixados à décima segunda maior economia do mundo, com o produto interno bruto recuando, sucessivas ameaças às instituições “democráticas” que ainda nos restam, 19 milhões de brasileiros em estado de fome e metade da população em insegurança alimentar, Gota D’Água é aqui e é agora.

            Fica, portanto, essa sugestão de leitura a adolescentes já melhor introduzidos ao universo literário e a pessoas de maioridade. Para ler ou reler o livro em questão na conjuntura do Brasil no qual hoje sobrevivemos, é preciso atenção e comprometimento. Apesar da fácil linguagem empregada no texto e da escrita fluida, desce amargo e arranhando as verdades que muitas vezes nos negamos atestar: o que é o Brasil.

 

Referências:

Saraiva. [saraiva.com.br] . Disponível em: https://www.saraiva.com.br/gota-dagua-uma-tragedia-brasileira-313297/p. Acessso em: 30 set. 2021.

Saraiva. [saraiva.com.br] . Disponível em: https://www.saraiva.com.br/medeia-3054208/p. Acessso em: 30 set. 2021.

GOUVÊA, Hilton. Morte do dramaturgo Paulo Pontes completa 40 anos. A União. João Pessoa, 27 dez. 2016. Disponível em: https://auniao.pb.gov.br/noticias/caderno_cultura/morte-do-dramaturgo-paulo-pontes-completa-40-anos. Acesso em: 30 set. 2021.

 

ESTUDANTE

PREMIAÇÃO

CATEGORIA

OBRA

CAMILA DE SÁ VAZ

2º LUGAR

TEXTO ESCRITO – ENSINO MÉDIO

TERRA PAPAGALLI

 

A ficção “Terra Papagalli”, escrita pelos escritores brasileiros José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, foi publicada pela primeira vez na Editora Objetiva no ano de 2013. A obra consiste em uma carta escrita por Cosme Fernandes, português que após ser degradado por se relacionar com a filha de um nobre, embarca ao lado de Pedo Álvares Cabral a caminho das índias, mas tem seu destino final nas terras brasileiras. A carta tinha como objetivo contar a vida e obra de seu escritor para seu filho primogênito, Vasco, à quem não o conhecia e não tinha perspectiva de conhecer.

Ao partir para as índias e acabar atracando no Brasil, o Cosme junto com seis outros viajantes, foram surpreendidos pelo destino com a ordem vinda de “deus” e da coroa portuguesa que os obrigava a permanecerem nas terras outrora desconhecidas a fim de conhecer os nativos, seus costumes, sua cultura e sua língua. No entanto, sem escolha, os sete ex-prisioneiros portugueses seguiram em solo sul-americano e com facilidade se misturaram aos indígenas tupiniquins, com quem passaram boa parte de suas vidas juntos. Durante a narrativa, destacam-se as experiências vividas pelos portugueses junto aos nativos, desde festividades locais até as grandes guerras.

Assim, é importante observar como os personagens portugueses se referem aos nativos pois, diversas vezes, os indígenas são retratados como bárbaros, gentios e pagãos, apenas por terem uma cultura distinta, cultura essa muito relatada e questionada durante a carta, tendo em vista que muitos rituais, festas e costumes dos indígenas não eram compreendidos pelos portugueses que, portanto, os tratavam como inferiores. Contudo, já se sabe que não existe cultura inferior ou superior, apenas culturas diferentes.

No decorrer da obra a descrição da fauna e da flora brasileira é vasta, pois o Bacharel (como foi apelidado Cosme Fernandes) ficou extasiado com tamanha biodiversidade e singularidade na natureza da “terra dos papagaios” como foi chamado o território brasileiro pelos seus novos habitantes, em homenagem aos papagaios, ave muito admirada pelos lusitanos por sua capacidade de reproduzir a fala humana. A partir disso surge o título do livro "Terra papagalli".

Apesar da obra representar uma sátira bem humorada do “descobrimento” do Brasil escrita no século XXI, seus autores basearam sua escrita na carta de Pero Vaz de Caminha, com a qual percebe-se diversas similaridades, entre elas a detalhista descrição da natureza, a dita fidelidade com os acontecimentos, a forma de escrita semelhante a um diário de bordo, além de expressões linguísticas da época retratada.

Embora a leitura seja fluida e dinâmica, é necessário certo conhecimento sócio histórico sobre a época retratada, fazendo com que alguém que nunca estudou o quinhentismo não entenda, em plenitude, alguns temas abordados no livro, pois a intertextualidade diversa e a ironia com a história real são pontos principais da obra. Durante as 134 páginas da sátira é interessante observar o paralelo entre entre a história ali contada e os reais acontecimentos do século XV, analisando de maneira crítica como essa parte da história é retratada do livro relacionado-a com a Carta do Achamento, escrita por Caminha.

 

TORERO, José Roberto; PIMENTA, Marcus Aurelius. Terra Papagalli. 1.Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

 

ESTUDANTE

PREMIAÇÃO

CATEGORIA

OBRA

LAURA MIRANDA PIMENTEL SILVA

3º LUGAR

TEXTO ESCRITO – ENSINO MÉDIO

O SILENCIO ENSURDECEDOR

 

Em “VOX” – romance de estreia da linguista Christina Dalcher, publicado no Brasil em 2018 pela editora Arqueiro e com tradução de Alves Calado –, um governo da extrema direita toma posse dos Estados Unidos. Sua primeira ação é calar a voz de metade da população considerada mais frágil, as mulheres. Como? Usando braceletes que as limitam a cem palavras por dia. Caso ultrapassem, elas levam choques que aumentam gradualmente, resultando na morte.

O livro trata de uma crítica distópica ao autoritarismo. A protagonista, a neurolinguista Dra. Jean McClellan, é uma privilegiada e, por isso, nunca parou realmente para pensar na posição que ocupava na sociedade. Sempre teve uma certa desconfiança com o movimento feminista, mesmo que sua colega de quarto do tempo da faculdade tentasse frequentemente convencê-la a participar.  Durante a narrativa, ela se pergunta qual o paradeiro da amiga.

Pode-se dizer que o livro é dividido em duas partes. Na primeira, vemos como o mundo se encontra e o cotidiano de Jean. Deparamo-nos, então, mais com os sentimentos dela como um ser humano. Essa parte é bem interessante: sentimos empatia e compaixão pela personagem quando a vemos chegar ao ponto de sentir ódio e indignação pelos homens da sua família, em decorrência dos privilégios que acumulam. Esses sentimentos a fazem refletir bastante sobre quando ela tinha a oportunidade de ter lutado por um futuro diferente, mas achava que, apenas com voto, já fazia o suficiente.

Na segunda parte, o irmão do “presidente” sofre um acidente e danifica a área do cérebro que a protagonista pesquisava. Oferecem a ela, então, a proposta de que, caso conseguisse curá-lo, teria algumas vantagens, mas, quando Jean aceita, descobre o que há por trás dos planos do governo.

            O livro, em suma, é sem dúvida bem instigante: leva-nos a sair da zona de conforto literária e a pensar bastante sobre a atual situação do nosso país. Detectamos, ali, várias semelhanças com ditaduras, o que provoca numerosas reflexões. A escrita é fluida, mas o texto deixou a desejar no final, que se desdobrou rápido e fácil demais, tirando o impacto que o livro poderia ter deixado. Recomendo-o para um público mais maduro e intelectualmente disponível.

Se estivéssemos em Vox, eu certamente já estaria carbonizada.

 

DALCHER, Christina. VOX. Trad. Alves Calado. São Paulo: Arqueiro, 2018.

 

ESTUDANTE

PREMIAÇÃO

CATEGORIA

OBRA

BERNARDO PAIM MUNIZ

MENÇÃO HONROSA

TEXTO ESCRITO – ENSINO MÉDIO

AUTO DA BARCA DO INFERNO

 

O Auto da Barca do Inferno foi escrito em 1517, por Gil Vicente, e faz uso de temas religiosos para apresentar uma crítica à sociedade portuguesa do século dezesseis. Apesar disso, faz-se extremamente atual e aponta para problemas relevantes ainda no cotidiano, apresentando personagens variadas que servem como analogia para os pontos negativos do nosso mundo hoje em dia.

O texto dramático, isto é, aquele que apreende a obra passiva de encenação teatral, é constituído de diálogos entre as personagens. Personalidades essas como o diabo e o anjo, cuja função é julgar as ações em vida daqueles que morreram e transportá-los para o outro plano em suas embarcações, e as figuras que aparecem ao passar da história, às quais a grande maioria é condenada ao inferno por suas vidas de pecado, de excesso e de imoralidade.

Personagens como o onzeneiro, a cafetina, o fidalgo e assim por diante, são a personificação da falta de ética e valores que assolava a sociedade em que o autor vivia, com os problemas da prostituição, do consumismo desenfreado, do paganismo, da opressão dos mais fortes para com as classes mais baixas, da tirania, da ganância, dentre tantos outros, tendo motivado a sua escrita, que tem o objetivo de delatar e satirizar esse comportamento da maioria dos lisboenses da época.

É de senso comum que a proposta da obra foi satisfeita, tendo em vista que provocou reflexão sobre as falhas dos lusitanos como sociedade e inspirou as próximas gerações, sendo assim recomendada para aqueles que almejam um pensamento crítico sobre moral e como as pessoas se portam, mais especificamente, a leitura é indicada aos jovens, para construírem esse tipo de pensamento o mais cedo possível.

Acreditamos que Gil põe-se em uma posição de juiz em que é livre para julgar os outros, porém esquece que ele é um humano falho como qualquer um, e não deveria ser ele quem definiria se alguém é merecedor ou não do inferno, algo completamente subjetivo e poder esse que não deveria ser detido por um homem apenas. Ele talvez tentou assumir o lugar do próprio diabo e determinar todos os erros das pessoas ao seu redor, como se de alguma forma ele próprio não tivesse defeitos, sentindo-se tão superior que provavelmente não percebe que poderia ser incluído na barca que acusa os outros de pertencerem, com a soberba sendo seu pecado.

 

VICENTE, Gil. Auto da Barca do Inferno. São Paulo: Moderna, 2002.

 

ESTUDANTE

PREMIAÇÃO

CATEGORIA

OBRA

MIRIAM GONZAGA DA SILVA SANTOS

MENÇÃO HONROSA

TEXTO ESCRITO – ENSINO MÉDIO

TERRA PAPAGALLI: UM DOS MAIORES PLOT TWIST QUE JÁ LI

 

Diferente da narrativa apresentada por Pero Vaz de Caminha, escrivão oficial da esquadra que embarcou pela primeira vez em terras brasileiras, José Roberto Torero e Marcus Aurelius descrevem esse histórico primeiro encontro na obra Terra Papagalli, a partir da visão de Cosme Fernandes, um criminoso exilado de Portugal. A obra é escrita por brasileiros e é bem recente, sendo publicada pela primeira vez em 2011, com 192 páginas pela editora Alfaguara.

 Devo confessar que minhas primeiras impressões me fizeram imaginar que precisaria de grandes esforços para continuar a leitura até o final, visto que, demonstra-se, desde o início um ponto de vista preconceituoso e eurocêntrico no contexto da colonização, causando em mim enormes frustrações, uma vez que a foi obra escrita por brasileiros. Apesar disso, as cômicas tragédias envolvendo a vida de Cosme desde o motivo de sua prisão até a viagem e sua respectiva chegada, fazem com que a história se torne mais leve e fluída. Os personagens são bem desenvolvidos e os diálogos são engraçados, sendo sete degredados, desconhecidos entre si, em terra de língua, povo e costume desconhecido.

A expulsão da Europa que deveria se tornar um purgatório acabou se tornando um verdadeiro paraíso para os criminosos, que logo se familiarizam com os costumes regionais, além de criar laços românticos com as mulheres. Sendo assim, Cosme narra a sua e a história de seus companheiros em cartas e um pequeno diário direcionadas a um conde, revelando grande desprezo pela cultura dos nativos, tidos por ele como ingênuos e infiéis. Além de escrever dez mandamentos indicando como os visitantes devem agir naquela terra para, facilmente conseguirem desfrutar dos incontáveis recursos naturais.

            A grande reviravolta do livro, no entanto, acontece quando o leitor aproxima-se do final do livro e percebe que Cosme, mesmo sendo um exemplo de vilão da era moderna, próprio traficante de negros e conservador de costumes racistas, constrói uma grande crítica às práticas antigas e atuais para com a rica terra, terra essa que era vista por ele como ‘O Paraíso’, mas que deixa de ser a partir de ações indiscriminadas, que, embora não admita durante sua própria narrativa, ele mesmo contribui para a destruição da Terra dos Papagaios, que vai-se e ressurge como uma “nova Lisboa” chamada Brasil, um Brasil construído por ele, seus colegas de viagem e todos europeus chamados colonizadores.

Acredito que as irônicas críticas estabelecidas na obra são muito significativas e deveriam não só ser lidas, como relidas várias vezes por todas as pessoas que gostam de enredos curtos, leves e empolgantes, além daqueles que  tenham um conhecimento prévio da colonização do Brasil e o desejam aprofundar, pois todos que a obra desejarem ler, poderão aproveitar-se com tal leitura.

 

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